Eu preciso de tempo
não de heroína, não de álcool, não de nicotina
não de ajuda
não de cafeina
apenas de dinamite e terebentina
Eu preciso de petróleo para gasolina
explosiva como querosene
com alta octanagem, sem chumbo
um combustível como
Gasolina(...)
Benzin, Rammstein
Um grupo de pessoas, baluartes morais de suas comunidades, representantes do verdadeiro espírito americano, ou, em resumo, um bando de caretas, se reúne no country club de sua cidadezinha, em uma bela tarde de verão, para ouvir a palestra dada por um agente disfarçado da narcóticos. O mesmo, discorreria sobre o mal que corroía o tecido social daquele tempo, as drogas, particularmente, sobre a pior de todas, a Substância D. Tirando essa ultima parte, quanto à temida Substância D( ou mais poeticamente chamada de Slow Death), imagino que qualquer leitor desavisado tenha identificado a cena, senão com alguma palestra que realmente assistiu, ou com alguma cena de filme, ou até passagem de algum outro livro que leu(pessoalmente, ela me lembra muito de uma cena de Medo e Delírio em Las Vegas). No entanto, embora tal passagem possa parecer comum na nossa atual política antidrogas, ela pertence, na verdade, a um livro de ficção científica escrito por Phillip K. Dick em 1973, chamado O Homem Duplo, ou no original A Scanner Darkly. Levemente diferente da nossa realidade, na distopia retratada pelo livro, praticamente toda a população está viciada em várias drogas ilícitas(e não estamos contando autoajuda). Nessa conjuntura, eleva-se um Estado policialesco que dá à política anti-drogas um ar verdadeiramente Orweliano.
Um exemplo disso é o próprio agente disfarçado citado( a propósito, o mesmo é o principal protagonista e também narrador), ele usa um traje que torna suas feições e traços indiscerníveis. No livro, ninguém, nem mesmo os superiores dos agentes disfarçados, sabem a real identidade deles(um exagero meio disfuncional ao sistema, na minha opinião). Ponto, que aumenta ainda mais a ideia de Estado Orweliano, porque qualquer um poderia ser um agente, desde seu amigo mais intimo, até sua namorada, mesmo seu irmão poderia ser um deles, e denunciá-lo às autoridades se você cometesse um erro qualquer. No entanto, o exercício das funções de judas nunca foi algo fácil( lembremos o que aconteceu ao pobre judas), sendo que, somando isso ao fato do protagonista ter acabado se viciando na malfadada Substância D( que consumiu sua sanidade como fogo à madeira), sua tarefa se tornou no mínimo impossível. Não melhorando a situação, quando seus superiores da Narcóticos abriram uma investigação quanto ao sujeito do qual ele se disfarçava, e lhe nomearam principal investigador.
Nesse minuto, imagino que quem esteja lendo esse texto pense algo como: Que enredo foda! E eu, como autor do texto, balanço a cabeça e concordo com o leitor imaginário. Sim, o enredo é excepcional. Mas não só isso, as descrições e o desenvolvimento dos personagens também são memoráveis. Até porque, o livro é, em parte, autobiográfico o que sempre torna a obra muito mais viva, muito mais visceral. Phillip K. Dick, em muitas partes do livro relata experiências pessoais, da época em que ele e alguns de seus amigos se envolveram com o LSD e outras drogas. No entanto, que não se pense que o livro seja moralista, sequer que tenha em si alguma moral secreta ou qualquer mensagem feliz. Estamos falando da história da queda de homens e mulheres. Pessoas que, assim como Mariposas que circundassem uma lampada, foram queimados, consumidos por algo que inicialmente lhes prometia prazer, diversão, calor. Ainda no prefácio, K. Dick diz que as drogas não são uma doença, mas um erro de julgamento, um erro que é punido com uma severidade excessiva e que, só em uma visão próxima à da tragédia grega, ou melhor, em uma visão de moralidade neutra, poderia ser vista como plausível.
Já me delonguei demais, imagino que você(exatamente, você mesmo!), esteja já pensando em sair dessa página devido ao seu transtorno de atenção nunca diagnosticado. Não, me delongarei mais, prometo. Só digo que livro é excelente, primoroso. Leiam logo isso! Sério, façam esse favor a vocês mesmos. Leiam K. Dick.
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