What's the secret of Soylent Green? Essa indagação, logo nos primeiros segundos de filme, domina toda a tela. Descendo, continuamente, como uma cascata de interrogadoras estrelas cadentes no fundo negro do indiferente céu noturno. Na verdade, a pergunta não toma só a tela inicial, ela é a premissa que norteia toda essa produção, um belo sci-fi noir, de 1973 e de direção de Richard Fleischer. Todas as ações, todas as conversas, tudo se centra em torno de Soylent Green. Embora, no entanto, esse não apareça por quase todo o filme, sendo apenas mencionado, lembrado. Uma ausência difícil de não ser notada. Soylent é o elefante na sala ou, mais precisamente, o elefante que não está na sala. Entretanto, o que diabos é o Soylent Green?
Soylent Green é uma espécie de biscoito, aparentemente feito de alga, de potencial altamente energético e nutritivo, que é a principal forma de alimento(e por algum motivo, passou a ser cada vez mais raro) no distópico ano de 2022. E quando digo distópico, quero dizer, simplesmente, em pós-apocalíptico mundo de 2022. Sim, o futuro não deu certo. No entanto, ele não apenas falhou, mas deu errado em uma escala que faria o mundo de Mad Max, ou até mesmo a realidade de 1984, parecer a disney. Tentar pintar para um ouvinte/leitor esse quadro tão sombrio é até complicado, já que o filme tem uma carga visual muito forte, que dificilmente se adequaria a palavras. Mas, só para se ter uma ideia, imagine todos os medos que lhe passaram sobre o mundo do futuro. Superpopulação, fome, degradação ambiental intensa, intensificação do efeito estufa e etc. Junte tudo. ótimo, você agora está no belo buraco de merda que é o mundo de 2022!
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Isso não é uma greve, tampouco um motim popular, é apenas o semanal conflito do dia da entrega das rações... |
O mais curioso, é que ao contrário de filmes como Elysium e Fuga de Nova York, ser rico como o pecado ou pobre como a bondade, não traz grandes vantagens ou desvantagens. Não há mais esperanças no filme. O mundo seguiu em frente, como diria Roland, na memorável Torre Negra. A pessoa mais rica que aparece no filme, tem como seu principal sinal de ostentação, a possibilidade de mensalmente poder comprar uma pequena fatia de carne, e alguns legumes. Na verdade, o personagem principal, um detetive que investiga o misterioso assassinato de um grande executivo da empresa Soylent, a mesma que produz o Soylent Green, rouba alimentos, produtos de higiene, qualquer coisa que ponha as mãos. Sendo que sua prática, não é só encarada com a temerosa submissão da autoridade(infelizmente tão comum), mas também é tida como algo normal, comum. Em mundo onde o próprio luxo se esvaiu diante do cavalo pálido da fome, não há mais espaço para moralismos, roubar é normal, roubar é um estilo de vida.
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Acho, seriamente, que o pessoal dormindo na escada paga aluguel para isso... |
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Temple de la Mort |
Confesso que esse filme me deixou extremamente angustiado. Não por causa de sua sombria previsão do futuro. Mas por causa do desespero, do ranço de loucura presente, a todo o tempo, em seu interior. Mais do que isso, esse filme é extremamente sinestésico, embora não em uma perspectiva agradável. Para se ter uma ideia, todas as cenas externas são gravadas em lugares abertos e superlotados, com cores extremamente puxadas ao amarelo e laranja. Você começa a suar e se sentir tenso, sujo, só de olhar para a tela. Nos outros momentos, as cenas fechadas, são sempre em cubículos minúsculos, lugares que dariam a qualquer um algum senso de claustrofobia. Na verdade, apenas um local no filme, nos permite uma relativa sensação de tranquilidade. Os templos da morte, digo, os locais, hospitais, na verdade, onde as pessoas poderiam abandonar o seu vale de lágrimas e se afundar no esquecimento do além véu. Morte, portanto, é a única esperança.
Confesso que não sei o que dizer sobre esse filme. Ele não traz nenhum conforto, nenhuma esperança. Ele apenas mostra um universo de morte e queda, muito pior do que qualquer coisa que temos, e que o deuses permitam, que algum dia tenhamos. De todo jeito, o filme vale ser visto. O enredo, como qualquer outro descendente do noir, é um carretel que cuidadosamente é desvelado à frente do espectador. A história, paira maravilhosamente entre o sublime e o ridículo. E todos os personagens são profundos, embora sombrios. Não direi muito quanto à direção, porque não sou perito nesse assunto, mas confesso que dela não tenho reclamações.
Recomendo esse filme, portanto, a todos aqueles que gostariam de, ao menos por um instante e protegidos pelo véu mágico da ficção, experimentar algo que beira a angústia absoluta. Aos interessados, o trailer.
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