"He who fights with monsters should look to it that he himself does not become a monster. And when you gaze long into a abyss the abyss also gazes into you."
Nietzsche
Recentemente, quando voltava da faculdade, passei por uma situação curiosa. Algumas crianças de rua, simplesmente entraram no ônibus e começaram a fazer uma pequena baderna, sendo que, momentos depois, sob os protestos do motorista do ônibus, todas elas saíram correndo. Confesso que não achei a pequena arruaça provocada por elas interessante, mas sim a reação das demais pessoas do ônibus, que começaram a tecer comentários sobre eugenia, castigos corporais imoralmente dolorosos, sendo que alguns até falaram em homicídio. When you gaze long into an abyss, the abyss also look into you. Na verdade, confesso que recorrentemente ouço comentários do gênero, seja na faculdade(menos), seja no dia a dia. Embora eu creia, ou queira crer, que pouquíssimas dessas pessoas realmente poderiam fazer algo do gênero. Não posso deixar de pensar, que a crueldade, ou melhor, a crueldade como vingança, é um pensamento aceitável para a maioria de nós. Sendo que I Saw the Devil, de 2010, e direção de Kin-jon-Woon, é um verdadeiro estudo sobre o tema.
No filme, Soo-Hyun, um agente do Serviço de Inteligência Nacional da Coreia do Sul(um espião), possuía uma vida absolutamente perfeita, até que sua noiva grávida, Joo-yun, é brutalmente assassinada, por uma serial-killer, chamado Kyung-chul(estrelado pelo mesmo ator que protagonizou Oldboy). Em meio a sua dor profunda, ou melhor, em uma tentativa de fugir de sua dor, Joo-yun passa a procurar obsessivamente o assassino, com o fim de lhe proporcionar uma dor tão intensa, quanto à que ele sentia, talvez ele intentasse até, em seu íntimo, transferi-la para ele . When you gaze long into an abyss, the abyss also look into you. Nesse ponto, é interessante lembrarmos que em filmes do gênero, as vítimas, ou melhor, todos os seus personagens, menos o assassino, são incapazes de se defender. São impotentes ao mal que sofrem. Nesse filme, entretanto, isso não ocorre, Joo-yun poderia ser descrito, simplesmente, como um protagonista de um filme de ação. Ele simplesmente, possui todos os meios para se equivaler, senão simplesmente massacrar o assassino de sua noiva.
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Sim... ele fez GI-Joe...Todo mundo faz algo errado na vida, não faz? |
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Fora de contexto é até cômico, mas nessa cena, o protagonista simplesmente corta os tendões do assassino, para facilitar sua perseguição. |
No entanto, mesmo após ter encontrado o assassino, e o colocar completamente à sua mercê, ele escolhe não matá-lo, na verdade, não o matar tão facilmente. A dor de Joo-Hyu não se saciaria com uma morte rápida e indolor. Sua dor era como um incêndio, que exigia um alto preço para ser saciado e, enfim, consumir a si mesmo. When you gaze long into an abyss, the abyss also look into you. Ele simplesmente liberta o assassino, embora o deixe com um chip de rastreio, e passa a persegui-lo, tentando incutir nele, pouco a pouco, a dor, o desespero que ele sentia, que o consumia pouco a pouco. Nesse ponto, começa um jogo de gato e rato, que dita todo o ritmo do filme.
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No entanto, Kyung-chul, o assassino, não é uma pessoa normal. Ele poderia ser descrito como um louco, um sádico, em resumo, um monstro puramente bestial. Sem exageros, ele é essencialmente mal, a pura crueldade em sua mais insana e diabólica luxúria. O que, já de início, coloca ao filme, um problema(seu problema central, na verdade), como se vingar de alguém assim? Digo, qual seria o preço para impor a um ser tão torto, tão corrupto, algum senso de dor, de medo, de temor? E fazendo isso, não teríamos de nos rivalizar com ele em crueldade? When you gaze long into an abyss, the abyss also look into you. Tornar-se os monstros que se combate, acaba sendo a consequência natural de qualquer ato de justiça vingativa. Um ato de crueldade, mesmo quando infligido a um ser que "teoricamente" o teria merecia, sempre será, no fundo, um ato de crueldade. Matar um homicida, continua sendo um homicídio. Esses atos não são ação e consequência, mas derivam do puro arbítrio. A esfera moral, portanto, não se rege por leis naturais, tampouco comporta a ideia de reciprocidade.
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I saw the devil |
When you gaze long into an abyss, the abyss also look into you. Tentar remediar a dor, com uma intensidade maior da mesma, é algo tão inteligente quanto apagar um incêndio ateando à ele mais fogo. Assim como vemos na película, não há vingança que não transforme seu vingador em algo semelhante ao objeto de sua vingança. O filme começa com dois personagens absolutamente antagônicos em uma escala moral, mas em seus desenrolar, ele se aproximam cada vez mais, até que chega um ponto onde não é mais possível diferenciar suas ações. No entanto, nossa identificação com o Joo-Hyun, é contínua, sugerindo que, provavelmente, todos nós compartilhamos com ele, essa vertigem para a corrupção vingativa, assim como mencionei no início do texto. I Saw the Devil, jamais se tratou de nos mostrar um demônio personificado, mas de nós dar chance de visualizar o nosso demônio interior. Todos estamos diante do abismo, esperemos que um dia não tenhamos de contemplá-lo, mas se o fizermos, oremos aos deuses que ele também não nos contemple.
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Ao contrário do meu costume, não irei recomendar esse filme para todos. Embora eu realmente goste dele, e ache sua direção impecável, ele possui cenas bastante fortes, tendo uma violência tanto física, quanto psicológica, que aterrarão até aos mais fortes. Sugiro esse filme, portanto, àqueles de estômago forte e sem medo. Aos interessados, o trailer vai abaixo.
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