sábado, 20 de setembro de 2014

DICA CINEMATOGRÁFICA: Duck you Sucker - Revoluções, banditismo e um punhado de pólvora



"A revolução  não é um jantar social, um evento literário, um desenho ou um bordado. Não pode ser efetuada com elegância e cortesia. A revolução é um ato violento."
Mao Tse-Tung

"Sei o que estou dizendo quando falo de revoluções. Gente que lê livros procura os que não sabem ler, gente pobre, e dizem: " Tem que haver mudanças." E a gente pobre faz as mudanças, hein? Ai, os que leem livros se sentam em grandes mesas lustrosas e falam, e falam, e comem, e comem, hein? Mas o que aconteceu com os pobres? Eles estão mortos! Essa é a sua revolução! Shhh... por isso, por favor... não me fale de revoluções! E o que acontece depois? A mesma merda acontece toda de novo!"

Sempre tive a teoria, ou pseudo-teoria, de que o desenvolvimento intelectual da maior parte das pessoas, poderia ser sistematizado de uma forma muito semelhante à que sistematizamos a história humana. Digo, creio que todos nós no decorrer de nossas vidas passamos, ou estacionamos permanentemente, por uma pré-história, uma Antiguidade, um Medievo e assim sucessivamente. Alguns, inclusive, esses poucos sortudos, até são capazes de adentrar em futuros ainda apenas especulativos. Entretanto, o ponto onde quero realmente chegar, é que se todos mimetizam em seu desenvolvimento intelectual algum ponto de nossa história, alguns devem estar em meio ao século XX. Um curioso século, assumamos todos esse ponto( confesso que é meu período histórico preferido). O infelizmente já falecido Eric Hobsbawm, inclusive, escreveu um excelente livro sobre o mesmo chamado A Era dos Extremos. Nome que para mim sempre foi emblemático para pensar sobre esse pequeno, mas efervescente, período histórico. Mais do que qualquer outra época da História humana, esse tempo foi marcado por revoluções, por violências. Sendo que qualquer um que lhe mimetize o pensamento, conforme a minha  já citada teoria maluca, é por essência um filho da revolução e, por consequência, também um violento(obviamente em um sentido filosófico). E tendo em conta que tenho muitos amigos e conhecidos estão estacionados nesse século(particularmente, acho que eu parei ainda no início da idade moderna), não posso deixar de indicar um filme que imagino sintetizar o espírito revolucionário e turbulento dessa Era de Extremos e, portanto, em alguma parte também resumir à alma de alguns que me são caros, sendo que o nome desse filme é Duck you Sucker, ou como é mais conhecido no Brasil, Quando Explode a Vingança.
Duck you, Sucker.
Nesse momento, imagino que alguns conhecedores do Faroeste Spaghetti e amantes, portanto, da obra de Sérgio Leone(não há como conhecer qualquer um dos dois sem, consequentemente, amar o ultimo), comecem a sentir a vaga sensação de que alguma vez já ouviram falar desse filme. Sim, porque o filme a que esse pobre texto pretende analisar não é só um Faroeste Spaghetti, mas também faz parte, embora pouquíssimas pessoas o saibam, da obra de Leone(ou titio Léo, como carinhosa e masculamente me outorguei chamá-lo). Mas antes de continuar tecendo elogios dignos de uma tiete tanto ao filme quanto ao diretor, me sinto obrigado a explicar aos mais leigos o que seria o bendito Faroeste Spaghetti. Esse, é um subgênero do Western(dos filmes de faroestes comuns) que foi gestado já na decadência do mesmo. Ele se caracteriza, basicamente,por ter um ótica mais estilizada e por ter sido produzido majoritariamente na Itália e na Espanha. Tendo encerrado essa necessária explicação. Volto aos meus faniquitos de tiete. #ILOVESERGIOLEONE, #Alllovewesternspaghetti #Enniomorriconeisbetterthanmozart (tá, parei com essa merda).
I used to belive in many things, all of it!
Now I belive only in dynamite. - Jonh Mallory



Mas voltando finalmente ao filme(tenho a vaga sensação que tendo sempre à máxima dispersão quando escrevo), esse foi produzido em 1971, e se passa no México revolucionário de Emiliano Zappata e Pancho Villa. O enredo tem como seu principal mote o encontro de um bandido com um ativista revolucionário (a clássica dicotomia do século XX) no já citado efervescente cenário. Sendo que uma das suas características mais interessantes é o seu tom de acentuada crítica social, uma coisa rara em filmes hollywoodianos. Uma das cenas mais emblemáticas do filme quanto a isso, já ocorre logo no início, quando por acaso (ou não) um pobre camponês mexicano entra em uma carruagem ocupada por inúmeras pessoas de alta posição à época. Logo, que entra na dita diligência, ele é achincalhado por todos, que logo lhe tributam esteriótipos e ofensas elitistas(tristemente ainda hoje comuns), enquanto se refestelam em pequeno almoço. Detalhe, é que toda essa cena se passa na visão do camponês que, faminto, apenas ouve trechos das ofensas que são endereçadas à ele e aos de sua classe, enquanto sofregamente vê bocas e dentes chafurdarem na saborosa comida que lhe é negada. Angústia e um visceral ódio à ausência de empatia humana são as únicas coisas que se pode sentir vendo a cena, que possui desdobramentos que não posso revelar (Spoilers). No entanto, as bocas cheias que fazem críticas aos famintos são os principais antagonistas do filme, tanto para o bandido, Juan Maria, quanto para o revolucionário, John Mallory. Esse ultimo, é um ex-integrante do Ira(não nos esqueçamos que o filme foi produzido poucos anos antes do Domingo Sangrento), que tenta de manter seu idealismo frente ao cinismo do cotidiano.
Mas imagino que agora mesmo o meu leitor mais complacente, mesmo aquele mais conivente com meus arroubos e excentricidades, esteja se perguntando como diabos um faroeste que trata da relação entre um bandido e um ex-ativista político pode, de alguma forma mesmo que bizarra, resumir todo o século XX? Bom, antes de qualquer coisa é bom ter em mente a relação intima que o banditismo, ou melhor, que o banditismo social sempre teve com os movimentos revolucionários (nessa parte, recomendo o excelente Bandidos, de Hobsbawm). Na verdade, pode-se dizer que o primeiro é uma espécie de movimento revolucionário destituído de complexas construções intelectuais (muitas vezes, incompreensíveis para a grande massa). Tanto é assim,  que ocasionalmente "bandidos" se tornam, conforme a direção dos eventos, em grandes revolucionários, sendo que um bom exemplo disso encontramos no próprio Pancho Villa, que inicialmente foi um famoso ladrão de cavalos antes de se tornar herói da revolução. No entanto, ao menos na minha opinião, a relação entre banditismo e revolução é ainda mais complexa, porque embora em algum ponto ambos possam se encontrar. O primeiro sofre, fundamentalmente, de um cinismo essencial(já que é motivado normalmente por particularismos econômicos), mas, ao mesmo tempo, também possui uma maior empatia com as classes mais baixas. Já o segundo é essencialmente mais idealista, o que lhe faz por vezes de cruel, já que em nome do bem maior sacrifícios, mesmo que grandes e custosos, são razoáveis. E é essa dicotomia entre cinismo e idealismo que creio que deu o tom do século passado, e que creio que remanesça na alma de qualquer um que se identifique com ele.


Ainda poderei preencher linhas e linhas quanto a esse filme mas, sabendo que já é improvável que leiam o texto longo como já ficou, o encerro aqui mesmo. No entanto, antes de ir, gostaria recomendar que todos os assistissem, porque ele não só se trata de uma aula de cinema e história, mas também de um ótimo tratado sobre como ocasionalmente esquecemos os custos sociais em nome de "boas mudanças".



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