quarta-feira, 24 de setembro de 2014

DICA CINEMATOGRÁFICA: Night and the City - Correr, correr e correr

(Eu quero) Eu quero que vocês me sigam
(Eu quero) Eu quero que vocês acreditem em mim
(Eu quero) Eu quero sentir seus olhares
(Eu quero) Eu quero controlar as batidas de cada coração

Um epíteto criado certa vez por um homem sabidamente mau(Goebbels), dizia que uma mentira ridícula repetida milhares e milhares de vezes resultaria, inevitavelmente, por se transformar em uma verdade inegável. Tolice ou não, essa máxima de alguma forma moldou o pensamento de praticamente todas as gerações que lhe sucederam, fazendo com que hoje seja absolutamente comum as pessoas acreditarem que para serem felizes devem mimetizar impossíveis "modelos de sucesso", ou melhor, que para qualquer um ser feliz esse deve, antes de qualquer outra coisa, parecer feliz. Vivemos, portanto, sob um império de aparências. Por obvio, o texto que se lê aqui não intentará  mudar a opinião das pessoas que creem e se sentem confortáveis  com isso. Afinal, acredito que cada um escolhe ou é escolhido pela sua própria infelicidade. Entretanto, não posso deixar de notar o quão interessante é pensar que a sociedade contemporânea tem como seu principal motor individual a mentira, ou melhor, uma modalidade muito interessante dessa, o auto engano. 




Como cães de corrida, acordamos cotidianamente e corremos por nossas pistas individuais, tendo sempre como meta alcançar uma presa que nunca se torna realmente disponível mesmo quando "vencemos" o páreo. Somos incitados, punidos e até premiados com o fim de continuar correndo, de continuar acreditando que estamos caçando, que nossa presa aguarda pacientemente o abate no limiar do horizonte. Mas no fundo apenas corremos, corremos sem objetivo, corremos sem nenhuma meta além de correr, como fica evidente no filme Night and City(1950), ou como ficou conhecido no Brasil, Sombras do Mau. O filme se inicia já em sua primeira sequência com o seu protagonista, Harry Fabian, correndo desesperadamente por uma rua sombria. Ele, uma pessoa normal, não possui grandes talentos nem grandes dons, nada além de uma grande imaginação e ambição. Características que juntas tendem a normalmente tornar curta a vida de seus portadores, até porque, costumam criar um tipo bastante comum, mas também bastante imprevisível, o verdadeiro mentiroso. Um ator sem arte, alguém que não mente apenas para os outros mas também para si mesmo, construindo verdadeiros castelos de cartas com palavras. Esses, verdadeiras obras de engenharia imaginária, ganhando novos níveis a cada frase dita, a cada olhar despreocupado passado, até que atingem proporções tão majestosas, tão assustadoramente incontroláveis, que sua própria visão, mesmo ao longe, já é capaz de derrubá-los.




E é esse o fado do protagonista, que por toda a sua vida, assim como a maior parte de nós, apenas queria ser grande, queria ter seu nome estampado em jornais e anúncios, ele apenas queria ter sido lembrado como algo mais do que um nada. No entanto, ao contrário da maioria de nós, que somos treinados a ter nosso pequeno cantinho ao sol através de anos de esforço e trabalho duro(mesmo que esse nos torne inválidos alquebrados), Fabian sempre tentou fazê-lo de forma rápida, sempre pelo caminho mais curto, sempre através de seus mirabolantes sonhos e planos. Mas, como sempre, o aviso uma vez dado a Alladin quando esse obteve sua lâmpada mágica se fez razoável. Devemos ter cuidado com aquilo que desejamos, já que nossos desejos podem se tornar realidade. Sendo que o protagonista desse filme se tornou a prova viva da validade desse ditado, quando um de seus planos, o mais mirabolante deles, se tornou realidade. Para ser mais claro, através do acaso, da sorte e de sua própria vileza, Fabian consegue contatos que lhe permitem controlar, ou ao menos lhe dão um filão considerável, de boa parte de toda a luta livre de Londres. Entretanto, ao mesmo tempo que o protagonista alcança o seu tão querido lugar ao sol, ele desperta também a ira de gangsters e, nesse ponto, se torna um homem morto que ainda não se apercebeu como tal.


Tecer qualquer consideração a mais sobre o enredo do filme seria me perder em spoilers desnecessários. No entanto, também posso recomendar esse excelente noir pela perícia técnica pela qual foi produzido. Seus ângulos e sua fotografia são de tirar o fôlego, deixando sempre ao telespectador uma sensação de premente urgência, uma tensão narrativa que se encontra raramente em filmes do gênero, mesmo aqueles considerados bons. Fica, portanto, minha recomendação( e olhe que estou seriamente recomendando esse, creio que ele é quase obrigatório) desse filme para todos os amantes da sétima arte que apreciem um bom noir.
 

sábado, 20 de setembro de 2014

DICA CINEMATOGRÁFICA: Duck you Sucker - Revoluções, banditismo e um punhado de pólvora



"A revolução  não é um jantar social, um evento literário, um desenho ou um bordado. Não pode ser efetuada com elegância e cortesia. A revolução é um ato violento."
Mao Tse-Tung

"Sei o que estou dizendo quando falo de revoluções. Gente que lê livros procura os que não sabem ler, gente pobre, e dizem: " Tem que haver mudanças." E a gente pobre faz as mudanças, hein? Ai, os que leem livros se sentam em grandes mesas lustrosas e falam, e falam, e comem, e comem, hein? Mas o que aconteceu com os pobres? Eles estão mortos! Essa é a sua revolução! Shhh... por isso, por favor... não me fale de revoluções! E o que acontece depois? A mesma merda acontece toda de novo!"

Sempre tive a teoria, ou pseudo-teoria, de que o desenvolvimento intelectual da maior parte das pessoas, poderia ser sistematizado de uma forma muito semelhante à que sistematizamos a história humana. Digo, creio que todos nós no decorrer de nossas vidas passamos, ou estacionamos permanentemente, por uma pré-história, uma Antiguidade, um Medievo e assim sucessivamente. Alguns, inclusive, esses poucos sortudos, até são capazes de adentrar em futuros ainda apenas especulativos. Entretanto, o ponto onde quero realmente chegar, é que se todos mimetizam em seu desenvolvimento intelectual algum ponto de nossa história, alguns devem estar em meio ao século XX. Um curioso século, assumamos todos esse ponto( confesso que é meu período histórico preferido). O infelizmente já falecido Eric Hobsbawm, inclusive, escreveu um excelente livro sobre o mesmo chamado A Era dos Extremos. Nome que para mim sempre foi emblemático para pensar sobre esse pequeno, mas efervescente, período histórico. Mais do que qualquer outra época da História humana, esse tempo foi marcado por revoluções, por violências. Sendo que qualquer um que lhe mimetize o pensamento, conforme a minha  já citada teoria maluca, é por essência um filho da revolução e, por consequência, também um violento(obviamente em um sentido filosófico). E tendo em conta que tenho muitos amigos e conhecidos estão estacionados nesse século(particularmente, acho que eu parei ainda no início da idade moderna), não posso deixar de indicar um filme que imagino sintetizar o espírito revolucionário e turbulento dessa Era de Extremos e, portanto, em alguma parte também resumir à alma de alguns que me são caros, sendo que o nome desse filme é Duck you Sucker, ou como é mais conhecido no Brasil, Quando Explode a Vingança.
Duck you, Sucker.
Nesse momento, imagino que alguns conhecedores do Faroeste Spaghetti e amantes, portanto, da obra de Sérgio Leone(não há como conhecer qualquer um dos dois sem, consequentemente, amar o ultimo), comecem a sentir a vaga sensação de que alguma vez já ouviram falar desse filme. Sim, porque o filme a que esse pobre texto pretende analisar não é só um Faroeste Spaghetti, mas também faz parte, embora pouquíssimas pessoas o saibam, da obra de Leone(ou titio Léo, como carinhosa e masculamente me outorguei chamá-lo). Mas antes de continuar tecendo elogios dignos de uma tiete tanto ao filme quanto ao diretor, me sinto obrigado a explicar aos mais leigos o que seria o bendito Faroeste Spaghetti. Esse, é um subgênero do Western(dos filmes de faroestes comuns) que foi gestado já na decadência do mesmo. Ele se caracteriza, basicamente,por ter um ótica mais estilizada e por ter sido produzido majoritariamente na Itália e na Espanha. Tendo encerrado essa necessária explicação. Volto aos meus faniquitos de tiete. #ILOVESERGIOLEONE, #Alllovewesternspaghetti #Enniomorriconeisbetterthanmozart (tá, parei com essa merda).
I used to belive in many things, all of it!
Now I belive only in dynamite. - Jonh Mallory



Mas voltando finalmente ao filme(tenho a vaga sensação que tendo sempre à máxima dispersão quando escrevo), esse foi produzido em 1971, e se passa no México revolucionário de Emiliano Zappata e Pancho Villa. O enredo tem como seu principal mote o encontro de um bandido com um ativista revolucionário (a clássica dicotomia do século XX) no já citado efervescente cenário. Sendo que uma das suas características mais interessantes é o seu tom de acentuada crítica social, uma coisa rara em filmes hollywoodianos. Uma das cenas mais emblemáticas do filme quanto a isso, já ocorre logo no início, quando por acaso (ou não) um pobre camponês mexicano entra em uma carruagem ocupada por inúmeras pessoas de alta posição à época. Logo, que entra na dita diligência, ele é achincalhado por todos, que logo lhe tributam esteriótipos e ofensas elitistas(tristemente ainda hoje comuns), enquanto se refestelam em pequeno almoço. Detalhe, é que toda essa cena se passa na visão do camponês que, faminto, apenas ouve trechos das ofensas que são endereçadas à ele e aos de sua classe, enquanto sofregamente vê bocas e dentes chafurdarem na saborosa comida que lhe é negada. Angústia e um visceral ódio à ausência de empatia humana são as únicas coisas que se pode sentir vendo a cena, que possui desdobramentos que não posso revelar (Spoilers). No entanto, as bocas cheias que fazem críticas aos famintos são os principais antagonistas do filme, tanto para o bandido, Juan Maria, quanto para o revolucionário, John Mallory. Esse ultimo, é um ex-integrante do Ira(não nos esqueçamos que o filme foi produzido poucos anos antes do Domingo Sangrento), que tenta de manter seu idealismo frente ao cinismo do cotidiano.
Mas imagino que agora mesmo o meu leitor mais complacente, mesmo aquele mais conivente com meus arroubos e excentricidades, esteja se perguntando como diabos um faroeste que trata da relação entre um bandido e um ex-ativista político pode, de alguma forma mesmo que bizarra, resumir todo o século XX? Bom, antes de qualquer coisa é bom ter em mente a relação intima que o banditismo, ou melhor, que o banditismo social sempre teve com os movimentos revolucionários (nessa parte, recomendo o excelente Bandidos, de Hobsbawm). Na verdade, pode-se dizer que o primeiro é uma espécie de movimento revolucionário destituído de complexas construções intelectuais (muitas vezes, incompreensíveis para a grande massa). Tanto é assim,  que ocasionalmente "bandidos" se tornam, conforme a direção dos eventos, em grandes revolucionários, sendo que um bom exemplo disso encontramos no próprio Pancho Villa, que inicialmente foi um famoso ladrão de cavalos antes de se tornar herói da revolução. No entanto, ao menos na minha opinião, a relação entre banditismo e revolução é ainda mais complexa, porque embora em algum ponto ambos possam se encontrar. O primeiro sofre, fundamentalmente, de um cinismo essencial(já que é motivado normalmente por particularismos econômicos), mas, ao mesmo tempo, também possui uma maior empatia com as classes mais baixas. Já o segundo é essencialmente mais idealista, o que lhe faz por vezes de cruel, já que em nome do bem maior sacrifícios, mesmo que grandes e custosos, são razoáveis. E é essa dicotomia entre cinismo e idealismo que creio que deu o tom do século passado, e que creio que remanesça na alma de qualquer um que se identifique com ele.


Ainda poderei preencher linhas e linhas quanto a esse filme mas, sabendo que já é improvável que leiam o texto longo como já ficou, o encerro aqui mesmo. No entanto, antes de ir, gostaria recomendar que todos os assistissem, porque ele não só se trata de uma aula de cinema e história, mas também de um ótimo tratado sobre como ocasionalmente esquecemos os custos sociais em nome de "boas mudanças".



quinta-feira, 11 de setembro de 2014

DICA CINEMATOGRÁFICA: Planet of the Apes The Confrontation - Somos Todos Macacos! (SQN)


Honorius: Tell us, why are all apes created equal?
George Taylor: Some apes, it seems, are more equal than others.

Planet of the Apes(1968) 

Somos todos macacos! É verdade sim, eu tenho até uma camiseta com o desenho de uma banana onde se diz isso categoricamente. Isso não é suficiente para provar? As camisetas com bananas desenhadas não mentem. Elas jamais mentiriam para mim! Fora, que a banana é um simbolo inegável de veracidade e confiabilidade! Somos todos macacos portanto. Claro, uns são mais macacos que outros. Mas é a vida... falando sério, espero que mesmo para o leitor mais desatento tenha ficado óbvio que eu estava sendo irônico a pouco(vai saber se alguém me leva a sério). Sinceramente, discordo até o âmago da minha alma desse slogan, que uma campanha publicitária propagou a não muito tempo atrás. Não que eu diga que ela esteja sendo racista(não me processem, não tenho dinheiro para pagar indenizações), mas acho que ela se enquadra apenas como mais um mecanismo de naturalização do racismo na nossa sociedade, uma mazela que macula geração a geração faz séculos. Mas imagino que meu leitor hipotético esteja coçando seu queixo e se perguntando, "o que diabos isso tem haver com o segundo filme da saga O Planeta dos Macacos?" E eu, alisando meu cavanhaque(se eu tivesse um), digo: Nada. Absolutamente nada. Sério, nadinha mesmo. Só não consegui não evitar de pensar nessa tolice enquanto assistia ao filme que, na verdade, é uma das melhores produções que vejo nos últimos anos. Bom roteiro, boa produção. Enfim, fizeram uma sequência que prestasse para essa saga! Ave Caesar por isso!
Ave Caesar e Viva la revolución primata!
"Sequência que prestasse? Mas essa é a primeira sequência da saga que começou com planeta dos macacos, a origem, em 2011. Claro, a menos que você esteja contando com aquele filme do Tim Burton em 2001, mas esse não vale." Pensa Little Padawan, ou como também o chamo, meu leitor hipotético. Prevendo esse possível comentário de meu leitor potencial(nessa situação me sinto como o náufrago gritando com a bola, digo, com o Wilson), eu começo a confiar minha barba imaginária e digo: Little Padawan, se pelos caminhos da força você deseja trilhar, deve saber que planeta dos macacos teve seu primeiro filme, originalmente, em 1968. Nesse filme, tal como no reboot do Tim Burton em 2001, a ação trata sobre um astronauta que depois de se perder no espaço cai em um planeta onde a raça humana é dominada por macacos. Depois dele, que foi um sucesso de bilheteria, os lords sith, que também chamo de "os executivos do estúdio", viram que estavam com uma fábrica de dinheiro nas mãos, criando quatro sequências de enredo duvidoso, fora séries e desenhos. Nas sequências, os macacos são seres geneticamente construídos para serem escravos dos humanos. Com o tempo, um deles, chamado César, se revolta e "vira a mesa", tornando os humanos escravos dos macacos. No entanto, essa é a versão curta da história. Porque a longa é recheada com viagens no tempo e foguetes que parecem consolos gigantes. Uma merda!


Sério. Se o nome já não tivesse sido usado nas antigas sequências, eu teria achado genial a ideia de usá-lo para o protagonista da saga.
Confesso que até tentei, não sei a razão, assistir a alguns dos filmes antigos. E acabei parando logo na metade do terceiro, pouco tempo antes de todas as minhas células cerebrais se suicidarem. Eles são muito ruins, acreditem. Tirando, obviamente, o primeiro filme, que se transformou um clássico cult. Tendo isso em vista, pode-se entender, portanto, minha alegria quando vi que o reboot do Planeta dos Macacos deu em algo bom, senão passável. Embora eu ache o primeiro filme um pouco bobo, e veja um ou outro furo no segundo, não posso negar que a narrativa que ambos constroem é extremamente coerente e razoável. Digo, eles não abusam da suspensão de descrença como muitos filmes que vemos por ai, e olhe que um filme que usa macacos inteligentes dominando, apenas com suas mãos e lanças, um mundo de homens com armamento pesado e tecnologia. Fora que, embora estejamos falando de personagens feitos em CG(computação gráfica), o filme realmente consegue fazer com que você acabe gostando de um ou outro macaco, que se apresentam extremamente carismáticos. Até porque, o enredo do filme nos lembra tanto um romance Shakesperiano, ou o Rei Leão para os menos listos, que acho que a não identificação é impossível. Na verdade, percebo que me esqueci de falar do enredo dele com mais cuidado. Bom, basicamente, ele trata sobre os desdobramentos do primeiro filme, ocorrendo 10 anos depois dos fatos que se podem ver nele. Não conto mais, para evitar spoilers involuntários. 


Por ultimo, antes da já usual indicação. Tenho ainda de esclarecer um pequeno ponto que tratei na introdução do texto. O porque acho que a ideia do slogan que o jogador Neymar criou, e posteriormente foi apropriado para a venda de camisas, é não só reprovável, mas uma espécie de naturalização do racismo. Embora biologicamente nós possamos ser enquadrados como macacos, essa discussão não faz sentido quando falamos no racismo. Não se chama alguém negro de macaco, porque esse indivíduo pertença à categoria dos símios da classe Hominidae junto com o restante da humanidade. Não. Chama-se alguém de macaco, porque se acredita que essa pessoa seja inferior. Na verdade, entendemos os macacos como seres inferiores, assim como os demais animais, sendo que ao compararmos ele com algum indivíduo estamos também dizendo que esse sujeito é um ser inferior. E antes que você comece a reclamar dizendo que não acha que os macacos e os animais sejam seres inferiores, me diga. Os seres humanos são animais? Sua mãe é uma macaca? Você é um animal? Imagino que você consiga perceber uma dificuldade em assumir algumas dessas afirmações, embora saiba que elas são lógicas. Juízos valorativos, raramente dependem da razão. Uma lástima. Quando entramos em negação e dizemos, todos somos macacos, não fazemos nada mais do que dizer que alguém que reclama, em uma situação absolutamente específica, ter sido chamado de macaco, não tinha razão alguma para se irritar, que ele estava exagerando. Afinal, racismo não existe no Brasil, não é?


Duvido que alguém ainda esteja lendo esse texto, mas, de toda forma, seguindo o cânone, faço a recomendação desse filme, que gostei sinceramente, para todos aqueles que queiram tirar algum tempo livre com algum proveito. Porque, afinal, somos todos macacos(SQN). Ave Caesar!


DICA CINEMATOGRÁFICA: Boardwalk Empire - Ozymandias e o Império do Rabo preso



"Eu encontrei um viajante de uma antiga terra
Que disse: - Duas imensas e destroncadas pernas de pedra
Erguem-se no deserto. Perto delas, na areia,
Meio enterrado, jaz um rosto despedaçado, cuja fronte
E lábio enrugado e sorriso de frio comando
Dizem que seu escultor bem suas paixões leu
Que ainda sobrevivem estampadas nessas coisas inertes,
A mão que os escarneceu e a mão que os alimentou.
E no pedestal aparecem estas palavras:
"Meu nome é Ozmandias, rei dos reis:
Contemplem minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos!"
Nada mais resta: em redor a decadência
Daquele destroço colossal, sem limite e vazio
As areias solitárias e planas espalham-se para longe."

Ozymandias(tradução livre) - Percy Bysshe Shelley


Se a humanidade pudesse tirar de toda a sua narrativa histórica alguma lição, alguma espécie de moral, imagino que esta seria quanto à sua própria mortalidade, digo, quanto à própria efemeridade não só de seus indivíduos, mas de suas instituições, de seus ideais e de seus impérios. Sim meus caros, assim como no velho ditado, não há bem que dure ou mal que perdure. Por mais que encaremos nossas ideias e o mundo ao nosso redor como algo eterno e imutável, a realidade(nossa realidade) se dissolve e dilui pouco a pouco, como um pedaço de papel molhado na chuva. Estamos inexoravelmente fadados a um dia presenciarmos, seja pelo  desgaste do tempo ou pela má fortuna, a queda e o desmoronamento de nossas vidas e, com alguma sorte ou azar, do mundo em que por décadas vivemos e crescemos. Não há escapatória plausível, não há final feliz. Todo organismo, seja social ou biológico, envelhece, se deteriora e morre. Sendo que em Boardwalk Empire, uma das séries atualmente mais aclamadas da HBO, podemos ver uma trama onde, mais do que qualquer outra coisa, temos a decadência e o fim da vida de um homem, de seu tempo, e de seu império como os centros principais da trama.
"Early this mornin'
when you knocked upon my door
Early this mornin'
When you Knocked upon my door"

"And I said," Hello Satan,"
I belive it's time to go."
"Me and the devil
was walkin' side by side"
"Me and the devil, ohhh"
(...)
(Me and the Devil Blues - Robert Jonhson)
Mas passemos logo ao que realmente interessa, ao enredo. Esse, passa-se pouco depois do início da vigência da Lei Seca ou O Nobre Experimento(I never understand this crazy white people names), tendo como foco o auge e a queda do império de Nuck Thompson, tesoureiro da Câmara Municipal de Atlantic City, e também indiscutível chefe de todo o crime organizado da cidade. Nesse ponto, imagino que o meu leitor hipotético coçará a cabeça e pensará: "Fuck you! This is a old gangster history. Godfather is better than that!" E eu, como autor do texto, balançarei minha cabeça e direi: Sim little Padawan, essa é uma história de gangsters tal como O Poderoso Chefão.  No entanto, embora eu não possa dizer que ela seja melhor(oh, god no), afirmo que possui grandes méritos, na verdade, trata-se de uma excelente série, uma das melhores que vi. Sendo que um dos seus méritos principais, é que mais incisivamente do que The Godfather, e ao contrário de The Untouchables, The Goodfellas e outras obras do gênero, a série traz a lume uma questão muito interessante, a relação entre o crime organizado e a política. O reinado de Nuck em Atlantic City se baseia em uma intrincada série de relações que o mesmo traçou com políticos, líderes sociais e, obviamente, pequenos chefes do crime em toda a cidade. Se é possível se dizer que os Corleone reinaram sobre Nova York através da força de sua família, e que Al Capone imperou sobre Chicago usando o mais puro sadismo, podemos afirmar categoricamente que Nuck governava quase diretamente Atlantic City, pois do mais insignificante capanga até o político de mais alta patente, todos tinham o rabo preso com ele. 
Da série, pontos positivos de Boardwalk Empire:
1# Frases de efeito e, claro, a simples presença de Steve Buscemi.
2# Sexo e coisinhas afins!!!!!!! É uma série da HBO, ora bolas!
3# Pessoas ensandecidas carregando metralhadoras.
4# Headshots(a lot of headshots!).

Obviamente,  nem tudo são flores. A série, que teve seu episódio inicial dirigido pelo Scorsese, peca bastante por não saber gerenciar seus personagens, que são muitas vezes descartados quando ainda são importantes na trama, gerando efeitos e consequências que não são tão bem trabalhadas quanto deveriam. Outro grave defeito, é o ritmo excessivamente lento da narrativa nos episódios iniciais, o que desmotivou muitas pessoas a acompanharem a série logo no início(embora o ritmo da narrativa fique bem mais rápido, ainda antes da metade da primeira temporada). Entretanto, esses pontos, ao menos na minha opinião, não são capazes de desmerecer a série que, conforme já citei, é uma das melhores a que tive o prazer de assistir.
 E como ultimo adendo antes de, como de costume, fazer minha usual e genérica recomendação, ou não, da obra que o texto analisa, tenho duas pequenas observações a fazer. A primeira, mais uma curiosidade, é a de que o protagonista da série, Nuck Tompson, realmente existiu, embora com uma história de vida um pouco menos interessante do que a retratada na série(normal, a vida sempre é mais tediosa fora da TV). E a segunda, mais uma sugestão literária do que qualquer outra coisa, é uma dica de um livro que poderá dar ao possível novo fã da série, uma ideia de como as primeiras décadas do século XX foram, particularmente nos Estados Unidos, um efervescente caldeirão étnico e social, o nome desse livro é Ragtime, de E.L. Doctorow(para quem não quiser ler o livro, existe uma excelente adaptação dele para o cinema pelas mãos do Milos Forman). And now, o momento que todos esperavam, o momento em que levantarei minha mão e indicarei com o polegar, assim como os imperadores romanos durante as lutas de gladiadores, se a série deve ou não viver para um novo dia(como se alguém realmente se importasse com minha opinião). #Suspense. #Tambores. #Close. E ela viverá! #OColiséuvaialoucura. #Precisovoltaratomarmeusremédios. #Sim,euindiqueiasériepoha.