"Há muito tempo atrás havia um monstro sem nome.
O monstro não suportava o fato de não ter um nome.
Então ele decidiu sair em uma jornada para poder encontrar um nome para si.
Mas, como o mundo era muito grande, ele se dividiu em dois e cada parte seguiu para um lado.(...)"
"Vi então sair do mar uma besta com dez chifres e sete cabeças. Sobre os chifres havia dez diademas e sobre as cabeças, nomes blasfematórios.(...) Uma das suas cabeças parecia estar ferida de morte, mas a chaga foi curada, E toda a terra maravilhada seguia a besta. Adoravam o dragão porque tinha dado poder à besta, e adoravam a besta, dizendo: "Quem é semelhante à besta, e quem pode lutar contra ela?""
Apocalipse, 13: 1,3-4
Uma questão que me intriga desde a minha mais tenra infância é a relação entre aquilo que denominamos "mal" e a estética. Tanto no cinema quanto na literatura, e até mesmo no discurso religioso e científico(As teorias criminológicas de Cesare Lombroso são o melhor exemplo), paulatinamente assistimos a uma confusão entre os dois conceitos. Na verdade, creio que mais do que uma confusão, com o passar dos séculos ambos os termos se fundiram(ao menos no imaginário coletivo), construindo uma estética do mal, ou até mais do que isso, forjando um molde de monstruosidade que mesmo hoje formata e limita nossa visão sobre o assunto. Os vilões dos filmes e dos livros, por exemplo, quase sempre se apresentam como pessoas com deformidades físicas evidentes ou de simples inadequação aos moldes da beleza de seu tempo. Apenas para citar alguns, temos nos contos de Conan Doyle o Prof. Moriaty(retratado como tendo um aspecto muito semelhante ao atarrancado esteriótipo de proletário da época), e na obra shakesperiana temos o corcunda e profundamente canalha, Rei Ricardo III. Obviamente, não posso deixar de citar vilões de obras mais contemporâneas, como Voldemort, o vilão de Harry Potter, que tanto no cinema quanto nos livros possuía uma repugnante face reptiliana, e o Presidente Snow de Jogos Vorazes, que exalava por todo o lado um cheiro adocicado, lembrando rosas e corpos em decomposição. Nem preciso ainda falar do cinema, onde os vilões da Disney com suas faces rudes e caricaturais são o exemplo vivo da existência de uma noção estética da vilania, ou dizendo melhor, de uma necessidade visual de contemplação do mal.
Creio que um dos únicos vilões que foge dessa regra é Dorian Gray, protagonista do obrigatório romance de Oscar Wilde. Ele, ao contrário de praticamente todos os demais vilões da literatura, é retratado na maior parte do livro como alguém exteriormente belo, sendo que sua monstruosidade é apenas interna, em outras palavras, ele possui uma deformidade de alma. Confesso, que obras que exploram essa tensão entre beleza e monstruosidade, me agradam muito mais do que as que apenas seguem a citada estética da maldade. Elas são muito mais verossímeis, muito mais próximas à nossa cinzenta realidade do que os caricaturescos personagens de contos de fadas. Porque em nosso mundo reais monstros, criaturas de tão deformada maldade que a mera contemplação já é capaz de petrificar seu observador, não existem, não é? Ou será que certos obscuros contos de fadas podem ser reais? E são a essas duas questões às quais o anime Monster, produzido entre 2004 e 2005 pela Madhouse, tenta nos responder. Na verdade, creio que, até mais do que isso, a obra se destina a ser um contraponto de toda à tendência da estética da maldade, digo, ela poderia ser descrita inicialmente como um estudo das deformações da alma, ou melhor, uma real estética da maldade, não voltada para o físico de seus personagens, mas para os seus escuros.
Mas creio que, como de costume, adianto-me na análise e esqueço o básico, esqueço-me do enredo. A história se centraliza em redor de Kenzou Temna, um talentoso neurocirurgião japonês, que trabalha em um renomado hospital alemão, em Dusseldorf. Na verdade, talentoso não é exatamente o termo mais correto para nomeá-lo, já que ele era simplesmente o melhor médico em todo o hospital, sendo que seus méritos logo atraíram a atenção do diretor da instituição em que trabalhava, fazendo com que esse o tornasse seu preferido, e até mesmo seu genro. Mesmo o menos arguto, mesmo o mais lerdo, poderia dizer que Temna estava com a vida ganha, ou na melhor das linguagens, que tinha amarrado definitivamente seu burrinho na sombra. No entanto, ele sofria de uma falha fatal, uma fraqueza de proporções trágicas, era um homem bom e integro e, frente à política do hospital de dar prioridade a certos pacientes mais pelo seu status econômico do que sua condição médica, ele optou pela coisa errada a se fazer, a coisa certa. Um dia, chamado para atender o caso de uma famosa personalidade política, ele se recusou para poder atender o caso de uma criança que havia sido baleada na cabeça, alegando que essa haveria chegado primeiro. Não preciso dizer que toda a boa ação possui uma reação, e ele caiu inevitavelmente em desgraça por isso, sendo relegando, a despeito de seu talento, às sombras. Entretanto, o diabo é mau mas jamais ingrato, e logo o diretor do hospital e várias outras pessoas que contribuíram para sua queda morreram misteriosamente, dando à Temna sua chance de voltar ao estrelato.
No entanto, como todo presente diabólico, a graça recebida por Temna teve um auto preço, sendo que esse foi além do fato do bom doutor passar a ser suspeito de todos os assassinatos citados, o mesmo também conhecer seu misterioso benfeitor. Uma boa ação sempre possui uma reação, que nem sempre é boa. O benfeitor de Temna, tratava-se da mesma criança que o mesmo salvou e que lhe levou à sua queda. Essa criança, já agora um adulto, não poderia ser facilmente classificada como má, sequer como cruel, já que não haveria medida para a quantidade de infelicidade e desgraça que sua existência promoveu. Não posso dizer muito sobre o personagem, já que inevitavelmente eu daria spoilers, mas posso dizer que mesmo o Joker criado pelo universo de Nolan, que para mim resume em boa parte o conceito de mal e selvageria, tremeria e se negaria a se encontrar com tal monstro. Sim, desde Keyser Soze(Os Suspeitos- 1995), não se encontra nas telas um chefe do crime organizado que tenha um império tão vasto e ao mesmo tempo tão cruel. E Temna, conhecendo o fato de que contribuiu para a continuidade da existência de tal abominação, passa a persegui-lo por todo o mundo, com o fim de apagar da existência seu erro de julgamento. No entanto, how do you shoot the devil in the back? What if you miss?
Concluindo, não posso fazer nada além de recomendar esse anime, que de tão bem feito, tão bem produzido e orquestrado, creio que não deveria ser chamado de anime(não que não existam animes bons, mas esse excede qualquer limite razoável). Creio que a ele deveria ser dado um nome diferente, devendo existir em uma categoria acima de qualquer outra obra do gênero para toda a posteridade, ele deveria ser imortalizado, endeusado pelos séculos sem fim, até que o próprio tempo colapsasse sobre si mesmo e apenas o nada e o silêncio reinassem. Mas, c'est la vie, e estou aqui, novamente fazendo tietagem pelos meus gostos perturbados. Mas realmente recomendo esse anime para todos aqueles que queiram realmente presenciar a algo sublime, que queiram passar com algo mais do que tédio por algumas horas de suas ordinárias existências.
Creio que um dos únicos vilões que foge dessa regra é Dorian Gray, protagonista do obrigatório romance de Oscar Wilde. Ele, ao contrário de praticamente todos os demais vilões da literatura, é retratado na maior parte do livro como alguém exteriormente belo, sendo que sua monstruosidade é apenas interna, em outras palavras, ele possui uma deformidade de alma. Confesso, que obras que exploram essa tensão entre beleza e monstruosidade, me agradam muito mais do que as que apenas seguem a citada estética da maldade. Elas são muito mais verossímeis, muito mais próximas à nossa cinzenta realidade do que os caricaturescos personagens de contos de fadas. Porque em nosso mundo reais monstros, criaturas de tão deformada maldade que a mera contemplação já é capaz de petrificar seu observador, não existem, não é? Ou será que certos obscuros contos de fadas podem ser reais? E são a essas duas questões às quais o anime Monster, produzido entre 2004 e 2005 pela Madhouse, tenta nos responder. Na verdade, creio que, até mais do que isso, a obra se destina a ser um contraponto de toda à tendência da estética da maldade, digo, ela poderia ser descrita inicialmente como um estudo das deformações da alma, ou melhor, uma real estética da maldade, não voltada para o físico de seus personagens, mas para os seus escuros.
Mas creio que, como de costume, adianto-me na análise e esqueço o básico, esqueço-me do enredo. A história se centraliza em redor de Kenzou Temna, um talentoso neurocirurgião japonês, que trabalha em um renomado hospital alemão, em Dusseldorf. Na verdade, talentoso não é exatamente o termo mais correto para nomeá-lo, já que ele era simplesmente o melhor médico em todo o hospital, sendo que seus méritos logo atraíram a atenção do diretor da instituição em que trabalhava, fazendo com que esse o tornasse seu preferido, e até mesmo seu genro. Mesmo o menos arguto, mesmo o mais lerdo, poderia dizer que Temna estava com a vida ganha, ou na melhor das linguagens, que tinha amarrado definitivamente seu burrinho na sombra. No entanto, ele sofria de uma falha fatal, uma fraqueza de proporções trágicas, era um homem bom e integro e, frente à política do hospital de dar prioridade a certos pacientes mais pelo seu status econômico do que sua condição médica, ele optou pela coisa errada a se fazer, a coisa certa. Um dia, chamado para atender o caso de uma famosa personalidade política, ele se recusou para poder atender o caso de uma criança que havia sido baleada na cabeça, alegando que essa haveria chegado primeiro. Não preciso dizer que toda a boa ação possui uma reação, e ele caiu inevitavelmente em desgraça por isso, sendo relegando, a despeito de seu talento, às sombras. Entretanto, o diabo é mau mas jamais ingrato, e logo o diretor do hospital e várias outras pessoas que contribuíram para sua queda morreram misteriosamente, dando à Temna sua chance de voltar ao estrelato.
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Vejam! O monstro dentro de mim está prestes a explodir! |
Concluindo, não posso fazer nada além de recomendar esse anime, que de tão bem feito, tão bem produzido e orquestrado, creio que não deveria ser chamado de anime(não que não existam animes bons, mas esse excede qualquer limite razoável). Creio que a ele deveria ser dado um nome diferente, devendo existir em uma categoria acima de qualquer outra obra do gênero para toda a posteridade, ele deveria ser imortalizado, endeusado pelos séculos sem fim, até que o próprio tempo colapsasse sobre si mesmo e apenas o nada e o silêncio reinassem. Mas, c'est la vie, e estou aqui, novamente fazendo tietagem pelos meus gostos perturbados. Mas realmente recomendo esse anime para todos aqueles que queiram realmente presenciar a algo sublime, que queiram passar com algo mais do que tédio por algumas horas de suas ordinárias existências.
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