sexta-feira, 31 de outubro de 2014

DICA CINEMATOGRÁFICA: The Devils Carnival - Deus e o diabo na terra dos malabares


(...) O riso é a fraqueza, a corrupção, a sensaboria da nossa carne. É o folguedo para o camponês, a licença para o avinhado, mesmo a Igreja em sua sabedoria concedeu o momento de festa, do carnaval, da feira, desta poluição diurna que descarrega os humores e permite outros desejos e outras ambições...Mas o riso permanece coisa vil(...) 
O Nome da Rosa. Eco, Umberto

Creio que a maior parte das pessoas gosta de manter durante seu cotidiano uma certa segurança, um senso de previsibilidade. Filmes e séries são o melhor exemplo disso. Normalmente precisamos da opinião de um amigo, de um blogueiro de confiança(Moi) ou, em resumo, de um terceiro(Euzinho novamente) para podermos decidir se vamos ou não empreender nessas obras um pouco de nosso precioso e limitado tempo. Deixe-se claro aqui, obviamente, que encaro o tempo, o nosso tempo, como algo extremamente limitado. Infelizmente somos seres finitos e finitas são nossas ações e nossas possibilidades de interação, ou seja, finitos são os filmes, séries e até mesmo livros que podemos ter contato em nossas vidas. Dessa forma, fica evidente que toda vez que empreendemos tempo na leitura de um livro ruim ou de um filme medíocre, perdemos para sempre a possibilidade de assistirmos ou lermos algo realmente válido. No entanto, ao mesmo tempo que a segurança nos trás a previsibilidade, ela também limita nossas possibilidades de escolha, fazendo com que muitas vezes não vejamos um bom filme, apenas porque esse não é muito conhecido. Dessa forma, é necessário sempre um certo pioneirismo, sempre uma certa impavidez, para não ficarmos estagnados em um mesmo nicho artístico para sempre. E foi em um desses temerários arroubos que conheci o musical do qual vim falar hoje, The Devil's Carnival.

Já de início, confesso que comecei a assistir ao dito filme com expectativas muito baixas, na verdade, eu quase tinha a certeza que ele seria uma catástrofe(o que talvez explique o fato de eu ter gostado tanto dele no final). Só para se ter uma ideia, o diretor do filme, Darren Lynn Bousman, dirigiu também Jogos mortais 2, Jogos mortais 3 e Jogos mortais 4, ou seja, ele dirigiu todos os longas da franquia que eu não gosto! Mais ainda, ele foi o responsável, ao menos na minha simplória opinião, por destruir parte do charme do filme original para toda a posteridade! Ou seja, ele ferrou com meu filme(tudo bem, parei com o choro)!!! Também não deixo de notar que é bem visível que o filme foi feito com um orçamento meio apertado. Sério, a gente sempre repara nisso... particularmente em tempos de produções tão faraônicas quanto atualmente. No entanto, a despeito do diretor ou do dinheiro que foi gasto para produzir o longa, o que temos no fim é uma ideia excelente, um roteiro extremamente palatável, boas interpretações e uma trilha sonora(é um musical afinal de contas) absolutamente invejável, em resumo, temos um excelente, embora excêntrico, filme.


E quando falo excêntrico não estou exagerando nem um pouco. O enredo, em seu plot mais básico, mistura as fábulas de Esopo e a mítica cristã ao som de traquinagens e melodias circenses. Sim, céu e inferno são retratados aqui como um grande circo. Na verdade, apenas o inferno, porque não temos mais do que um mero vislumbre da terra dos justos. No entanto, o inferno, onde se passa toda a trama, esse sim é um autêntico circo, e não falo apenas no sentido metafórico. Os demônios são todos retratados no filme como artistas de um show itinerante, sendo que as torturas dadas aos pecadores se constroem ao redor das apresentações que esses artistas/demônios realizam. Mas o mais interessante, é que esses números protagonizados por pecadores e demônios não só se constroem a partir do "pecado capital" que levou o condenado à inglória vida do abismo, mas também  são uma recriação de conhecidas fábulas. Fábulas essas, que exercem uma importância imensa na trama, já que os citados pecados não são nada mais do que a aplicação prática da pequena lição moral que existe ao fim de cada história criada por Esopo. 
Mas imagino que estou sendo um pouco confuso, então darei um exemplo: O primeiro número a ser apresentado conta a história de Tamara, uma mulher cujo principal pecado foi sempre confiar demais nas pessoas, mesmo que essas fossem claramente não confiáveis(inclusive, ela foi morta por seu namorado bad boy). No inferno, seu tormento/número se constrói a partir do conto do sapo e do escorpião, história essa que tem como moral exatamente não confiar, não depositar afeto ou confiança em absolutamente qualquer um. Por obvio, sei que nesse exato momento alguns leitores devem estar se perguntando que diabos de história com sapos e escorpiões é essa. Então, de forma breve, lhes narro a fábula: Durante a época das chuvas, um pequeno riacho que cortava um bosque se transformou em um caudaloso rio. Um escorpião que morava na região pediu então ao sapo, um amigo seu, que lhe levasse à outra margem. No entanto, o sapo resistiu quanto à ideia, com medo de ser ferroado. Mas o escorpião era insistente, e acabou convencendo ao sapo de lhe levar ao outro lado do rio. Entretanto, antes que chegasse ao meio do riacho o escorpião picou o sapo, que disse: Por que você fez isso? Ambos vamos morrer agora! Sendo que foi respondido pelo escorpião: Fiz isso porque essa é a minha natureza. 
Poderia ainda tecer mais comentários sobre as outras histórias que forjam a narrativa, no entanto, não quero dar spoilers. Apenas deixo aqui minha mais sincera recomendação ao filme. Como já disse, ele tem um bom roteiro, boas interpretações e uma memorável trilha sonora. A despeito de qualquer coisa, esse é realmente um filme que vale a pena ser assistido!




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