Como a senhora é peluda vovó - exclamou Chapeuzinho.
É para te esquentar, minha neta - respondeu o lobo.
Que unhas grandes a senhora tem!
São para me coçar, minha querida.
Que dentes grandes a senhora tem!
São para te comer.
E então, ao dizer essas palavras o lobo se atirou sobre a Chapeuzinho vermelho e a devorou."
Chapeuzinho Vermelho, Charles Perrault
"Houve um tempo em que os homens
Em suas tribos eram iguais
Veio a fome e então a guerra
Pra alimentá-los como animais
Não houve tempo em que o homem
Por sobre a terra viveu em paz
Desde sempre tudo é motivo
Pra jorrar sangue cada vez mais."
O Lobo, Pitty
Uma das coisas mais intrigantes sobre o conto da Chapeuzinho Vermelho é saber que o caçador só aparece nas versões mais contemporâneas da história. Na primeira versão, escrita não pelos irmãos Grimm(esses apenas se apropriariam do conto no Séc. XIX), mas por Charles Pearrault no distante Séc.XVII, a Chapeuzinho Vermelho é devorada pelo lobo ao final do conto. Sim amiguinho(a)s, não existem finais felizes nem nos contos infantis. Na verdade, as versões originais de nossas histórias de ninar tendem a ser tão sinistras, tão repletas de assassinatos, canibalismo, incestos e estupros, que fariam Game of Thrones parecer uma novela cômica das 20h. Mas voltando ao assunto, o conto original da Chapeuzinho Vermelho tem como objetivo alertar as gerações infantis sobre o perigo do estupro. Sim amiguinhos, a história que você ouviu quando era um pequeno catarrento(e que provavelmente já contou para a sua criação de novos catarrentinhos), sobre uma jovem menina que se perdia na floresta e quase foi devorada pelo lobo mau tratava-se de uma história metafórica sobre um estupro. Na verdade, não é grande surpresa. Histórias sempre foram uma ótima forma de transmissão de conhecimentos, condutas e tradições, sendo que a maior parte de nossos contos de infantis tem como fim ensinar nossas crianças(digo, catarrentinhos) sobre aquilo que é certo ou errado, ou sobre como os mesmos podem evitar situações perigosas. Entretanto, imagino que alguns de meus leitores já estejam se perguntando o que diabos isso tem haver com Jin - Roh, uma animação japonesa que se passa em uma realidade paralela onde o nazismo venceu a Segunda Guerra. Bom...o melhor caminho para se atingir um objetivo nem sempre é uma linha reta.
Jin Roh: The Brigade of the Wolf, dirigido por Hiroyuki Okiura e lançado em 1999, trata-se de um drama sobre um soldado de uma unidade paramilitar fascista que se apaixona por uma integrante de um grupo terrorista. Entretanto, o filme não se limita apenas à simplicidade de seu plot, também fazendo uma atualização politizada do conto de Charles Pearrault. Agora, o lobo não é mais uma simples fera famita, tampouco um maníaco sexual, mas um sistema político desumanizador.
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Kann man Herzen brechen Können Herzen sprechen |
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Kann man Herzen quälen Kann man Herzen stehlen |
Fascismo, segundo a Wikipédia, é uma forma de radicalismo político autoritário nacionalista que surgiu na Europa na início do Séc. XX. Algumas de suas características mais marcantes seriam a veneração do estado, a devoção a um líder forte e carismático, e uma ênfase ao emultranacionalismo, ao etnocentrismo e ao militarismo. Obviamente, sei que essa é uma conceituação um tanto vaga e imprecisa, mas tendo em conta que apenas quero situar alguns de meus leitores mais jovens ou desinformados, e que não quero ser apedrejado ou linchado em praça pública, ela é perfeitamente apropriada. Entretanto, sei que nesse exato momento alguns de meus leitores estarão pensando que embora a ligação do facismo com a história de Jin Roh seja direta, a ligação desse com a Chapeuzinho Vermelho é no mínimo vaga, senão absurda. Contudo, citando Hobbes, "o homem é o lobo do homem", e que melhor exemplificação dessa frase senão o fascismo, um regime dedicado à violação e agressão de inimigos externos, internos e de seus próprios cidadãos. Em resumo, um reino de lobos. Sendo que nessa nação lupina, que história poderia ser mais cruel e apropriada do que o conto de Pearrault?
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O homem é o lobo do homem, o lobo O homem é o lobo do homem, o lobo |
Tendo isso em conta, pode-se dizer que o filme se trata, na verdade, de um romance entre a chapeuzinho vermelho e o lobo mau. Todavia, ao contrário da história de ninar moderna e mesmo de sua brutal versão original, não existem finais felizes para protagonistas ou antagonistas. No cinzento universo dos lobos bípedes, não existe espaço para compaixão ou amor, apenas para uma eterna fome de agressão e morte.
Recomento Jin Roh: A Brigada do Lobo, portanto, a todos aqueles que gostarem de um bom drama vestido com uma profunda crítica política. No entanto, faço uma ressalva para aqueles que tiverem estômago fraco, já que o filme possui uma violência gráfica muita alta(embora ache que vocês já perceberam isso...).
Aleatório... aproveitando o espaço e apenas pelo frenesi nerd, apresento aqui minha versão favorita da Chapeuzinho Vermelho(vai ter uma resenha da obra no blog depois, eu espero). - LINK