“Seu olhar caiu sobre o livro amarelo que Lord Henry lhe enviara. O que
seria isso, perguntou-se(...) após alguns minutos, estava absorto. Era o livro
mais estranho que já havia lido. Parecia que, em vestes refinadas, e ao som do
delicado de flautas, os pecados do mundo desfilavam, em silêncio, diante dele.
Coisas com que havia sonhado de modo
vago tornavam-se reais para ele. Coisas que jamais imaginaram eram-lhe
reveladas.”
O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde
Segundo um velho ditado,
somente tememos aquilo que não conhecemos, ou seja, o medo, em sua forma mais
essencial, está sempre vinculado à ignorância, a um desconhecimento fundamental
sobre o objeto temido. Tendo isso como premissa, torna-se claro que algo cuja
compreensão estivesse além de qualquer possibilidade do entendimento humano, ou
seja, algo que fosse essencialmente encoberto a nossos olhos, seria obrigatoriamente
objeto por nós de temor, pode-se até dizer que personificaria o próprio medo. Nem
preciso dizer, que boa parte das obras de horror e de suspense do cinema e da
literatura levam em conta a mencionada relação entre o medo e o desconhecido na
construção de suas narrativas e enredos. Alguns bons exemplos do citado, são
filmes como Alien, o 8 passageiro, Sillent Hill (aqui tanto o filme de quanto o jogo) e o seriado Lost, com a sua misteriosa fumaça negra ( que ninguém sabe, até hoje, o que diabos era).
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“O mar quebra pela orla, vago,
Os sois gêmeos afundam sob o lago,
(...)"
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Mas, embora de uso comum,
raramente a relação entre o desconhecido e o horror foi tão bem traçada como na
obra de autores como Richard W. Chambers e H.P Lovecraft. Ambos, inclusive,
foram fundamentais para o desenvolvimento do citado postulado, já que
construíram obras onde a impotência da ação humana frente ao desconhecido era
total(o que faz, por consequência, que o horror seja ilimitado), e não
meramente relativa, como comumente se mostrava nas obras do gênero e, na maior
parte das vezes, mesmo hoje ainda se faz. Mas creio que não estou sendo claro
ao meu querido(a) leitor(a) imaginário(a), portanto, desenho! Na maior parte
dos filmes e livros de terror, existe um desvelamento progressivo do objeto
temido, ou melhor dizendo, a cada vez que é confrontado com o objeto de medo,
o protagonista e nós, os expectadores ou leitores, conhecemos o mais, portanto,
o tememos menos. Em resumo, existe um anacronismo entre aquilo que se pretende, gerar medo, e aquilo que se faz, diminuir progressivamente o medo criado.
O que os dois citados autores realizaram foi o processo contrário, a cada vez que temos mais contato com suas obras, cada vez menos sabemos o que se passa, assim como os protagonistas o que, portanto, faz com que o objeto pareça cada vez mais terrível, cada vez mais passível de causar medo. No entanto, existe uma curiosa diferença entre os dois, enquanto que H.P. Lovecraft desenvolve seu objeto de medo a partir de algo sólido, de um plano de existência avesso ao nosso, Chambers no seu O Rei de Amarelo, constrói o terror sobre o puro pesadelo, sobre uma existência que é puramente imaginária mas que, de alguma forma, vaza seu conteúdo para o mundo real. Em outras palavras, enquanto que o medo é uma relação de consequência no primeiro, o segundo tem o medo não como um elemento de narrativa, mas como um personagem.
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"(...) As sombras se alongam,
Em Carcosa.
(...)"
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O que os dois citados autores realizaram foi o processo contrário, a cada vez que temos mais contato com suas obras, cada vez menos sabemos o que se passa, assim como os protagonistas o que, portanto, faz com que o objeto pareça cada vez mais terrível, cada vez mais passível de causar medo. No entanto, existe uma curiosa diferença entre os dois, enquanto que H.P. Lovecraft desenvolve seu objeto de medo a partir de algo sólido, de um plano de existência avesso ao nosso, Chambers no seu O Rei de Amarelo, constrói o terror sobre o puro pesadelo, sobre uma existência que é puramente imaginária mas que, de alguma forma, vaza seu conteúdo para o mundo real. Em outras palavras, enquanto que o medo é uma relação de consequência no primeiro, o segundo tem o medo não como um elemento de narrativa, mas como um personagem.
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"(...) Estranha é a noite em que as estrelas negras sobem, E estranhas luas os céus percorrem Mas mais estranha é a Perdida Carcosa. (...) |
Mas já vamos ao terceiro
parágrafo e apenas mencionei de passagem o livro a que pretendia resenhar. Mais
uma vez (e não será a ultima), me perdi em elucubrações e pensamentos vagos
(meu triste fado). Mas deixando de lamentações, creio que já é mais do que hora
de irmos ao que interessa, ou seja, o livro! Bom, de início, a obra O Rei de
Amarelo foi publicada em 1895 e é formado, basicamente, por vários contos que
vão desde o terror ao romance desesperançado. A propósito, desesperança é a
palavra chave para se entender o livro, que em uma narrativa sã, por vezes também
febril e ocasionalmente mesmo insana, sempre nos apresenta o mundo como um
lugar decadente, onde os sonhos e as ilusões estão sempre fadados a naufragar
frente à dureza do cotidiano. Sim, o sentimento de decadência do fin de siècle impera por todo livro,
sendo que o amarelo com o qual se veste o onipresente Rei de Amarelo possui
esse exato significado, decadência.
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"(...) Que morra inaudita, Onde o manto em retalhos do Rei se agita; A canção que entoarão às Híades na Obscura Carcosa. (...)" |
A escolha da cor para as vestes do rei, a
propósito, é bastante curiosa, embora talvez um pouco datada. Amarelos eram os
livros franceses(lembrando que todos os contos têm como pano de fundo a
França), normalmente de conteúdo polêmico ou liberal demais para a puritana
sociedade inglesa, que os encarava como uma fonte de vícios e imoralidades. Não
nos esqueçamos que estava em voga a
ideia de que certas ideias, certos pensamentos e palavras eram essencialmente
perigosos, e deviam ser evitados. Sendo os espelhos da alma, os olhos eram uma
relevante fonte para a corrupção da mesma. Nessa ótica, faz mais sentido que um
dos motes centrais do livro, seja a ideia
de uma peça fictícia, um livro, que causaria loucura a quem a lesse, e esse
mesmo se chamaria O Rei de Amarelo, numa clara menção, aos citados livros
franceses.
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"Canção de m’alma, minha voz finada;
Morra sem ser entoada, como lágrima jamais derramada
Seca e morta na
Perdida Carcosa”.
“Canção de Cassilda”, em O Rei de Amarelo, ato I, cena 2
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Mas imagino que muitos de
meus leitores imaginários estejam se perguntando sobre Carcosa, já que
provavelmente foi apenas pela menção dessa palavra que começaram a ler esse
texto. Sim, apenas pela menção dessa palavra! Não, não estou exagerando. Essa
curta e enigmática palavra, assim como a sua relação com O Rei de Amarelo, foram
um dos pontos centrais na série True Detective, produzida pela HBO em 2014, sendo que não posso deixar de dizer, que a mesma é absolutamente obrigatória. Sim, todos, todo mundo, EVERYONE, deve ver essa série que, na minha opinião, foi de longe uma das melhores produções de todo o ano!!! Mas, obviamente, antes de assisti-la, leiam o livro, que dá tão poucas indicações quanto ao que seriam Carcosa e a real identidade do Rei de Amarelo quanto a própria série, mas que é fundamental para se entrar no clima menfítico e lovecraftiano que ela desenvolve. Deixo então, o trailer do seriado que mencionei, e a sincera recomendação que todos vocês, minhas pequenas crianças da noite, leiam O Rei de Amarelo. No mais, encerro essas tortas linhas invocando as bençãos do desconhecido sobre todos vocês. Adeus!